sexta-feira, 27 de março de 2009

UM HOMEM BOM

Num dia 28 de março, há 21 aos, exatamente na metada da minha vida até hoje, tive que me despedir do meu avô ...
Foi uma perda enorme para mim! Não só para mim, mas para toda a família!
Meu avô era um homem bom!
Todos que o conheceram podem confirmar!
Ele era bom filho, bom marido, bom pai, bom colega de trabalho, bom vizinho, bom sogro, bom genro, bom cunhado ...
Bom para todos!
Tenho tantas lembranças dele que confirmam isso! Tantos bom exemplos ...
Além da bondade, tinha a honra, o amor a família, a força de trabalho, o prazer de viver, a alegria, o gosto pela música e pela leitura, a vontade de reunir parentes e amigos em torno de si, a dedicação a minha avó ...
Tantas outras caracterísiticas que o tornaram para mim o melhor modelo que tive ...
Tenho muitas lembranças dele ...

Há mais longígua que me lembro, eu era bem pequena, acompanhando ele nas tarefas da casa, enquanto ele cuidava dos passarinhos, dava comida para os cachorros, fazia uma cerca, lavava o quintal, molhava as plantas ... De repente, minha avó nos chamou e pediu que ele examinasse a dispensa.
Antigamente, os grãos eram armazenados em grandes sacos de juta. E havia uns três guardados por lá. Quado entramos vimos que estavam roídos e que alguns feijões estavam espalhados pelo chão. Minha avó exigia uma providência, porque tinha certeza de que algum rato andava roendo tudo. Meu avô já havia procurado antes, mas não havia encontrado nada. Então, ela insistiu que ele instalasse uma ratoeira para poder capturá-lo.
Passaram-se três dias ...
E aí, finalmente, o rato foi pego. Minha avó sentiu-se aliviada e pediu que meu avô matasse aquele bicho horrível, transmissor de doenças ... blá-blá-blá....
Meu avô foi com a ratoeira até a mureta que cercava o canteiro de bertalhas e ficou olhando para o "bichnho"...
Eu estava ao lado dele, aflita, esperando para ver o que iria acontecer...
Meu avô estava com um martelo na mão ... a arma para dar fim aquele problema ...
Mas, cada vez que ele levantava o braço para dar o golpe o ratinho gemia, com as "mãozinhas unidas"... Juro que é verdade!
Ele tentou umas três vezes, mas não conseguiu. Olhou para mim e disse: -" Está vendo só? Ele está pedindo 'pelo amor de Deus' para não morrer ... Não posso fazer isso!"
E, em seguida, soltou o rato, que tinha dado o maior trabalho para pegar!
Ele era assim...
Não matava nem cobra!
Lembro-me de uma outra ocasião, na Fazenda da Grama, onde tínhamos uma casa de veraneio, minha irmã era um bebê. Minha avó estava lavando as fraldas dela e de repente viu enrolada num vaso de antúrios uma jararaca juvenil, fase dos ofídios onde existe uma concentração maior de veneno. Ela tomou um susto danado e gritou pelo meu avô. Saiu correndo da área para o quarto e ficou observando a cobra agarrada comigo. Meu avô veio munido com uma vassoura. Enxotou a cobra do vaso para o chão e ficou olhando ela se contorcer. A minha avó dizia: -"Mata, Thyrson! Anda! Mata! Acaba com isso!" Mas, ele tinha pena. "Tadinha dela!", dizia ele. "Tadinha". A minha avó, danada da vida, reclamou com minha mãe, mas ela adorando o pai que tinha, pediu que eu fosse lá no clube, chamar o Zelito, um funcionário, para matar a cobra.
Esta foi a solução. Quando o rapaz chegou, meu avô saiu de perto para não ver a cobra morrer.
Também ouvia muito a história do armazém do meu avô...
Eu não era nascida na época, mas minha avó contava que ele tinha aberto um negócio de "secos e molhados" que, naquela época, costumava ser próspero, mas que acabou falindo, de tanto ele vender fiado para os clientes.
Estas histórias ilustram bem o caráter do meu avô...
Nossa casa era o clube da família, dos amigos, dos vizinhos...
Todos eram bem vindos! Muita comida e bebida, muita música ... muita gente! Todo fim de semana a casa ficava lotada! Eu nem imaginava o trabalho que isso dava para minha avó e para minha mãe ... eu era que nem meu avô, adorava a casa cheia e geladeira colorida, lotada de comida! Mas, quando passei a cuidar dos afazeres domésticos entendi melhor as reclamações que eu ouvia...
Não que elas não gostassem também. Minha mãe era muito animada, como o pai, pelo menos enquanto teve liberdade para isso. Mas elas ficavam cansadas.
Mas, o fato é que tenho recordações de Natais muito felizes, aniversários muito animados ...
Mas meu avô não era só um farrista! Era exemplar no trabalho. Basta dizer que em muitos anos de funcionalismo público não tinha faltas, não saía mais cedo e trabalhou uns nove anos, além do tempo normal de aposentadoria.
Também era um erudito! Adorava ler, fazer poesias, trovar ... Recorria sempre há enciclopédias e dicionários... Lia e assistia todos os jornais...
E amava música! Amanhecia cantando... na hora de fazer a barba, no chuveiro ... E todos os fins de semana a "vitrola" ficava ligada o dia inteiro. Quando já era crescida, pouco antes dele morrer, costuma colocar um banquinho de madeira na frente do som e ficar regendo a música com os botões. Ficava lá curtindo as músicas que gostava: Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Ataulfo Alves, Angela Maria, Benedito de Paula, Beth Carvalho, Clara Nunes, Simone ... Muita gente!
Música não podia faltar, nem uma cervejinha gelada!
Era disso que ele mais gostava: companhia, música e uma "lourinha" estupidamente gelada!
Ah! Também tinha as emboladas, os desafios...
Quando meu avô e minha avô iam para a cama, conversavam sobre o dia deles, a família... e quando acordavam também! Parecia que as soluções para tudo e as boas idéias, vinham depois do sono... Eles acordavam cedo. Mas, às vezes, eu acordava primeiro e quando ouvia a conversa deles no quarto ao lado, batia na porta e pedia para ir para a cama deles. Fiz isso até adulta, mas quando eu era criança meu avô me desafiava nestes momentos, cantando músicas com rimas maliciosas como aquelas do cantor Dicró, mas que ele sempre terminava com palavras sérias. Tipo: "Bom dia, Julieta? Você já lavou sua ... lambreta? Então está na hora de encontrar o Seu João, aquele que tem um... caminhão". E eu adorava! Minha avó pedia para ele parar, mas acabav rindo muito, também! Belas manhãs...
Meu avô era muito alegre! Adora a vida!
Mesmo depois que ele vendeu a casa, desgostoso com a morte da filha mais nova, num acidente de carro, ao ir comemorar a passagem no vestibular de medicina, em 1972, a família continuou a se reunir em nosso apartamento. As festas tradicionais também eram lá... Arrastávamos os móveis e todo mundo dançava! No dia seguinte, ainda tinha o "enterro dos ossos" ... Ele gostava assim...
Quando a minha avó reclamava de alguma coisa ele falava: "Deixa, Beta! Deixa para lá..."
Ele era um bom vivant!
Filho de uma família simples, de muitos irmãos, teve que trabalhar muito cedo. Trabalhou por muito tempo em dois empregos para sustentar a família de cinco filhos, que começou aos 16 anos. Nunca conseguiu comprar o tão sonhado fusca, porque sempre ajudou a todos que o procuravam. Bastava alguém precisar e ele estava lá para ajudar, principalmente, em se tratando da família dele! Quando ele faleceu, havia escrito muitas dívidas que nunca foram pagas.
Gostava de encontrar os amigos no Cacuia, um bairro da Ilha do Governador, onde ele viveu até morrer.
Cumprimentava a todos, sem excessão, por onde passava. Na padaria, no mercado, no prédio, na rua... Minha avó sempre diz que eu sou igual a ele, "pau de enchente", que por onde anda vai parando e falando com todo mundo!
Aliás, ela também chamava ele de "Zé", querendo desmerecer a bondade dele, o jeito dele tratar todos bem, de se dar demais ... e costumava também fazer o mesmo comigo, mas eu nunca encarei isso como crítica. Na verdade, me sentia elogiada!
Ah! o meu avô ...
Ele tinha um senso de certo e errado, uma integridade, uma autoridade moral...
Acho que era isso que impedia maiores confusões em família, quando ele ainda era vivo! Ele, decididamente, inspirava respeito! Além de ser uma unanimidade! Não tinha quem não gostasse dele, cachorro, gente, criança, idoso ...
Eu amava demais o meu avô! E era muito grata também por ele ter ajudado a me criar...
Ele não gostava de me ver pintada! Cantava para mim "Marina, Marina Morena, você se pintou...", música de ..., não me lembro agora! Também reprovava meus banhos demorados e ligações intemináveis no telefone. Um dia, ele chegou a cortar o fio, enquanto eu estava trancada no meu quarto. Foi muito engraçado. Houve um chiado no telefone, eu abri a porta e só tinha um pedaço do fio. Foi muito engraçado! Ele também tinha um pouco de ciúme da minha avó comigo... Mas, quando eu estava triste, era o colo dele que eu buscava!
Às vezes, ele me acordava com cara cheia de espuma de barbear ... Outras vezes, quando a minha avó cochilava, em frente da televisão, ele ia devargazinho e colocava um cigarro apagado em sua boca. Ela ficava furiosa com isso, mas ele era assim ... Brincalhão, animado ... Implicar desta forma, era também uma forma de carinho!
Incrível, que eu sempre imaginava a minha avó como matriarca... Ela era mesmo, como uma senhora feudal, no comando de tudo, querendo controlar todo mundo... Mas quando meu avô se foi, entendi que ele era a base, o chão, o que viabilizava tudo!
Sem ele, minha avó ficou sem rumo ... a família toda!
Foi muito difícil! Achei que minha avó iria morrer junto! Mas ela é dura na queda, de sangue sergipano, guerreira até a morte! Ela aguentou... Mas nunca mais nossa vida foi a mesma!
As reuniões familiares foram se transformando, até acabarem... Quando um estava, o outro faltava... Saíam brigas, discussões ... Os cunhados e sobrinhos passaram a nos visitar menos...
Minha família começou a desmoronar...
Eu não percebia que era ele quem centralizava tudo! Achava que era minha avó...
Na verdade eram os dois! Eles tinham 48 anos de vida em comum! Já eram um só!
Para ajudar minha avó a superar a depressão, após a despedida e todas as mudanças que ocorreram em nossas vidas, fiquei um ano sem sair de casa, a não ser para trabalhar e acabar a faculdade. Quer dizer, não saía sozinha. Só com ela!
Demoramos um tempo para nos acostumarmos. Acho que até hoje, não conseguimos. Apenas tivemos que aceitar! Ele continua fazendo muita falta!
Seu riso, seu chapéu na cabeça, a bermuda lá embaixo, as sandálias nos pés, o perfume exagerado, aquele pente de osso, no bolso de trás, do outro lado o lenço ...
Tudo isso, ainda é muito vivo na minha memória!
Gostaria muito que meu filho o tivesse conhecido! Eles poderiam pescar c dividir o amor pelos animais... Além disso, os dois têm em comum a mesma alegria e o bom hábito de fazer brincadeiras que enchem uma casa...
Sempre procuro contar histórias sobre ele para meu filho e mostrar fotos, para que seja possível conhecê-lo de alguma forma. Um dia, há uns três anos atrás, meu filho me disse que gostaria que existisse uma máquina do tempo, só para ele poder voltar atrás e conhecer o "biso" dele. Fiquei feliz! Ele conseguiu amá-lo através das minhas recordações...
Sempre penso no meu avô ...
Um grande homem...
Um homem bom...

Paula

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