terça-feira, 10 de março de 2009

Quando descobri que Papai-Noel não existe ...

Alguma coisa se quebrou em mim para sempre!
Não fui mais criança da mesma forma!
Todos os anos, desde que me entendo por gente, enfeitava a casa com meu avô, fazia minha cartinha, colocava os sapatinhos na janela e ia dormir antes da meia-noite, para que o bom velinho pudesse deixar meus presentes, sem ser incomodado.
Assim que acordava, pulava da cama e ia direto para a árvore, onde sempre encontrava, pelo menos, um presente que havia pedido. Isso porque eu sempre era orientada a pedir algo que minha mãe pudesse comprar e dar opções para o "Papai-Noel" trazer, caso ele não encontrasse ou não pudesse comprar a primeira. Muitas vezes, meus pedidos eram passados à limpo. Eu pedia uma boneca "Fofinha" e ganhava o boneco. Ou pedia a boneca "Feijãozinho" e ganhava o boneco. Agora, até duvido se minha mãe não desejava um menino, também, lá no íntimo. Mas, o fato é que no ano da minha descoberta, eu, minha mãe, minha avó e a esposa do meu tio, fomos juntas a casa de uma vizinha que fabricava bichos de pelúcia, para escolher a minha encomenda. Eu fiquei vidrada por um urso do meu tamanho, que mexia pernas e braços, amarelo gema, com laço vermelho no pescoço e cílios de feltro bem pretos e longos. Minha mãe tentou me convencer a gostar mais do marrom, porque ele sujaria menos. Mas, eu estava irredútivel. O amarelo era lindo! Meu preferido!
Durante a visita, também escolhi uma patinha, que vinha com vestido vermelho e guarda-chuva e um coelinho cinza, igual a muitos verdadeiros que eu já tivera. Na verdade, eu gostei mais do branco, mas, novamente, minha mãe me orientou para o problema da sujeira.
No caminho para casa, eu só falava no urso. Minha mãe tentando aumentar a surpresa para o Natal, ia dizendo que talvez Papai-Noel não conseguisse colocar no saco um presente tão grande. Eu afirmava, categoricamente, que ele traria. Afinal, ele atendia todos os desejos das crianças que se comportavam bem e eu, sem dúvidas, era uma delas!
Durante dias, fiquei imaginando brincadeiras com meu futuro urso. Onde ele iria ficar, onde iria dormir ... Era uma expectativa só!
Eu tinha uma pequena cadeira de balanço, de jacarandá, com tressé de palinha, que meu pai havia me dado e que eu adorava ficar. Tanto, que havia trazido da casa dele para minha! Acabei imaginando, que seria um bom lugar para colocar meu amigo que iria chegar...
Já nem usava mais minha cadeira, porque, para mim, ela já tinha novo dono!
Enfim, cheguou a grande noite!
O dia estava longo. O tempo não passava.
Finalmente, mais ou menos, cinco horas da tarde, minha mãe pediu que eu tomasse banho e me arrumasse, recomendando que eu não fosse mais lá fora da casa, para não me sujar. Achei estranho. Eu sempre ficava pronta, esperando os convidados chegarem, lá, na varanda.
Toda minha família comemorava os dias festivos na minha casa. Os parentes, os parentes dos parentes, os amigos, os amigos dos amigos, os parentes dos amigos e os amigos dos parentes...
Minha casa era um clube!
Meu avô adorava todo mundo reunido! Era festeiro, animado! Gostava de música e, principalmete, de muita fartura!
Minha mãe e minha avó é que sofriam na cozinha, para preparar tudo. Mas, naquela época, eu não tinha noção disso. Só ficava feliz em ver tudo pronto! Colorido! Cheio de melancia, uvas brancas, ameixas... Sempre gostei de frutas!!!
A única coisa que me impressionava um pouco e me dava dó, era o leitão pururca que minha mãe preparava e todos adoravam. Eu achava horrível ver aquela maçã na boca do bichinho!
Bom, mas de volta ao banho...
Eu não parava de pensar, enquanto me ensaboavam ... não me lembro de quem eram as mãos!
Só me recordo que estranhei muito ter que ficar dentro de casa, no início daquela noite!
Tomei meu banho, e sentei-me na sala. Ainda estavam todos agitados, arrumando os útlimos detalhes. Perguntei algumas vezes para minha mãe, se poderia ir lá fora, se não fosse me sujar. Ela respondeu que não todas às vezes, por fim, acabou concordando que eu poderia ficar na parte da frente da casa, se não fosse, de jeito nenhum, no pátio de trás. Isso aguçou minha curiosidade. Afinal, a minha casa era muito grande, mas as pessoas se reuniam mesmo era na varanda e entre a casa principal e a casa dos fundos, onde ficavam a lavandeira e as dependências de empregada. Era, justamente, neste pátio intermediário, onde todo mundo dançava, brincava e que, na maioria das vezes, quando o tempo permitia, é que nos sentávamos para comer em uma enorme mesa. Eu nunca ia além desta parte da casa, durante a noite. Não me aventurava no pomar e no resto do quintal. Então não fazia sentido a recomendação da minha mãe. Tinha algo estranho acontecendo. Os meus "sensores de mulher aranha" já funcionavam desde aquéla época!
Não falei nada, ao ouvir o que minha mãe disse, porque senão teria que cumprir com minha palavra. Fiquei quieta e pensativa.
Minha mãe foi se arrumar também. Enquanto isso, fiquei indo e vindo da varanda para a porta da cozinha, que também dava para o pátio que já descrevi, tentando perceber o que estava errado. Tinha achado minha mãe muito estranha, apreensiva, cheia de recomendações. Não era habitual isso nela, até porque eu era muito obediente. Não era preciso falar mais do que uma vez comigo. Aquele cuidado todo em repetir a orientação e frizar que eu não deveria ir lá fora não fazia sentido. A não ser que estivéssem me escondendo alguma coisa ... Era isso! Havia descoberto! Estavam me escondendo alguma coisa... Mas o quê? Precisava descobrir...
Fiquei olhando da porta da cozinha lá para fora...
Luzes acesas, tampas das caixas de gordura bem fechadas - seria terrível se aquelas baratas todas que moravam ali, resolvessem sair na hora da festa! -, mesa arrumada, barris de chope no lugar, isopor com refrigerantes também, cachorros presos ... esere aí ... a porta do quarto de empregada e da lavanderia estavam fechadas. Normalmente, ficavam abertas. Não se fechavam portas lá em casa! Só as dos banheiros! Ou as dos quartos, quando íamos trocar de roupa. Até para dormir, elas ficavam abertas ! "Que estranho", pensei.
Fiquei tentando imaginar porquê. Acabei concluindo, que tinha alguma coisa lá dentro, que não poderia fugir. Será que era algum novo animal para mim? Sim. Lá em casa era um "jardim zoológico doméstico"! Tínhamos passarinhos, cachorros, patinhos, galinhas, galinhas d´angolas, perus, porcos - que meu avô dizia que iria engordar para assar um dia e nunca , porque elcomia, porque não matava nem cobra! -, porquinhos-da-índia, coelhos e até dois bichos exóticos, para se ter em casa: um caracol enorme e um filhote de jacaré! Qual seria o mais novo habitante?
Então, esquecendo a recomendação por completo e curiosa demais para saber o que estaria guardado lá no quarto de empregada, fui até lá. Meu coração batia descompassado, mas eu jámais poderia imaginar o que veria e como me sentiria.
Abri a porta e dei de cara com meu urso, sentado na cama da empregada. Não o amarelo, que eu tinha preferido, mas o marrom, que tinha sido a escolha da minha mãe. Não sabia o que pensar! Como? Papai-Noel já havia passado? Tão cedo!
Havia deixado meu presente ali? Naquele quarto, que nem era meu, ao invés de na Árvore de Natal, que tínhamos enfeitado, toda bonita? E nem tinha trazido o urso na cor que eu queria? Que estranho! Nada estava fazendo sentido! Por que eu não podia ir lá? Para não ver o bicho de pelúcia? Por que não tinham me contado logo do meu presente?
De repente tudo começou a fazer um sentido que eu não queria pensar! Não queria que fosse verdade!
Fechei a porta e saí em silênco. Esperei minha mãe terminar de se arrumar e fiquei olhando para ela... Lembro-me dela ter me perguntado "o que foi?" sem eu ter respondido...
Aquela noite não foi alegre como as outras! Não foi mágica!
Não foi divertida!
Não estava prestando atenção na festa! Não estava brincando com meus primos e com as outras crianças...
Estava me sentindo estranha... Apreensiva...
Além disso, a culpa de ter desobedecido minha mãe, mesmo que por alguns instantes, me incomodava.
Não podia conversar com ela sobre o que tinha visto, sem ter que contar que eu havia ido na parte de trás da casa. Ao mesmo tempo, em algum momento, teria que contar, porque fui criada ouvindo que "quem fala a verdade não merece castigo!". Decidi esperar pelo dia seguinte, para falar sobre tudo o que estava me incomodando, só não consegui me acalmar com esta decisão.
Incrível, como tão pequena, tudo isso tenha ficado vivo na minha memória. Imagens, sensações, pensamentos, conclusóes... Foi mesmo um fato de grande importância para mim!
As pessoas foram chegando, cumprimentando umas as outras ... A múscia foi enchendo o ambiente... Todo mundo rindo, brincando, dançando ... E, eu, tentando me distrair com meu primo mais próximo, parceiro de várias brincadeiras ...
Por fim, eram quase meia-noite. Minha mãe havia pedido para eu ir dormir, porque Papai Noel já iria chegar ...
Fui deitar e fiquei acordada. Será que ele voltaria? Mas ele já não tinha deixado meu presente? Será que tinha trazido ele antes, porque ocupava muito espaço no saco e teria que voltar para trazer o resto? Ah! Poderia ser isto ... Mas, a minha mãe não sabia que ele tinha guardado meu urso lá fora? Ou, ela sabia, por isso tinha me proibido de sair de casa? Fiquei esperando acordada para descobrir. Quando achei que tinha passado da meia-noite, levantei-me ... Fui procurar minha mãe... Ela me olhou espantada. Perguntou se eu havia acordado por causa de algum pesadelo. Respondi que não. Que não tinha sono. Então ela me levou para ver os presentes de Papai Noel e contu que ele havia trazido meu urso. Perguntei quando e ela me falou que ela tinha visto ele carregando aquele urso pesado e que ele havia dito que o amarelo sujava muito e, por isso, ele havia trocado a cor... Disse a ela que era o que eu queria, mas ela continou, dizendo que Papai Noel sabia o que era melhor e que o amarelo já tinha até acabado, quando ele tinha ido lá comprar...
Fiquei olhando para ela... Vendo ela mentir para mim...
Foi horrível!
Ela não estava falando a verdade! Ela não estava fazendo comigo o que mandava eu fazer sempre! Por que?
Estava pensndo nisso, quando a mulher do meu tio apareceu com o urso amarelo... O que eu queria tanto!
Achei que Papai Noel havia se enganado com as entregas. Só poderia ser isso!
Lembro-me, perfeitamente, de ter perguntado isso a ela e ela ter dito que não, muito sem graça, agora eu consigo identificar aquela expressão no rosto dela.
Fiquei desapontada!
Ganhei outros presentes: a patinha e o coelho de pelúcias, da minha mãe e minha avó e masi algumas outras coisas que não me marcaram...
Colocaram-me na cama, novamente, e lembro-me que só dormi, vencida pelo cansaço, muito tempo depois.
No dia seguinte, pela manhã, acordei quando minha mãe estava moendo carne, naquele moedor de ferro, antigo, que se prendia naquelas velhas pias de mármore branco ou em cima de alguma mesa de fórmica na cozinha. Interrompi o que ela fazia e fiz logo a pergunta:
- Mãe! De mãe para filha... De mulher para mulher ...
Papai Noel existe?
Ela me olhou por pouco segundos e me respondeu diretamente, sem rodeios:
- Não!
Fiquei chocada! Com uma vontade enorme de chorar, guardada no peito. Meus olhos ficaram úmidos.
Ela falou:
- Não chore! Sou eu quem compro seus presentes e digo que foi Papai Noel, para lhe deixar feliz.
E, tentando melhorar as consequências da revelação, completou:
- Papai Noel só existe no Pólo Sul! Lá longe...
Pronto! Parti para um monte de perguntas ...
Pólo Sul? Onde fica? Por que você mentiu para mim? Como você fez isso e fala para eu dizer a verdade sempre? Posso lhe botar de castigo? Por que você não comprou o urso amarelo, se sabia que era o que eu queria? Papai Noel é uma lenda? O que é lenda? Por que os adultos mentem para as crianças sobre os presentes de Natal?
Foram muitas perguntas... Tantas, que minha mãe encerrou a conversa, sem paciência, frizando:
- Papai Noel não existe e pronto!!! Chega!!!
De lá para cá, nunca mais fui a mesma!
Continuei sendo criança, mas de uma forma diferente!
A minha imaginação perdeu a fantasia! Prematuramente, eu diria. Deixei de imaginar que poderia conversar com os animais e ser entendida, de ser possível encontrar um pote de ouro no fim do arco-iris, de exisitirem fadas, como a Sininho, do Peter Pan ...
Passei a brincar de ser misse, ao invés de princesa... Deixei de ser a namorada do Princípe das Águas, o Namor, um dos meus desenhos favoritos, para ser a Jane, mulher do Tarzan, porque ela aparecia em films e subia em árvores, assim como eu...
Enfim, passei a ajustar a fantasia! Passei a adequar a minha imaginação e brincadeira a uma realidade possível, para que eu pudesse acreditar nela!
Nunca mais sonhei livremente ...

Anos depois, quis prolongar a vida de Papai Noel o máximo possível para o meu filho. E a do Coelinho da Páscoa também!E a das fadas, dos gnomos, dos heróis, das princesas...
Ele acreditou nisso tudo até nove anos ... Depois os coleguinhas do colégio começaram a desmentir esta verdade!
Ele me perguntou e eu contei que os presentes eram comprados por nós, eu e o pai dele, mas as condições eram um presente de Deus e que Papai Noel existia no espírito de Natal, enquanto pelo menos uma criança acreditasse nele. E, ate hoje, quando alguém me pergunta se Papai Noel existe, respondo que em algum lugar sim, de alguma forma..

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